A liturgia deste final de semana nos apresenta as bem-aventuranças segundo São Lucas, que têm uma forma um pouco diferente da de Mateus para apresentar o conteúdo. A diferença não está apenas no local — planície em Lucas e montanha em Mateus —, mas também no fato de que, a cada bem-aventurança, Lucas contrapõe um "ai de vós". Jesus proclama as “felicitações” àqueles que têm como objetivo o Reino de Deus e as “maldições” àqueles que, autossuficientes, não precisam de ninguém.
Num certo sentido, esse ensinamento acompanha o texto de Jeremias 17, 5-8:
“Maldito o homem que confia no homem e faz consistir a sua força na carne humana, enquanto seu coração se afasta do Senhor.
Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor.”
O primeiro é comparado a um cardo no deserto, que só produz espinhos, enquanto o segundo é como uma árvore plantada à beira d’água, que nunca deixa de dar frutos.
É claro que essa linguagem precisa ser compreendida. Deus nunca amaldiçoa ninguém, pois, se o fizesse, deixaria de ser o Deus que se manifestou na história de Israel e completou sua revelação em Jesus Cristo. Trata-se de uma força de expressão usada pelo profeta para despertar aqueles que se esqueceram de Deus e de seus mandamentos, incentivando-os a voltar ao caminho do Senhor, que é o caminho da justiça e do direito.
O Salmo 1, que abre o Livro dos Salmos e que ressoamos cantando “É feliz quem a Deus se confia”, traz à tona as duas atitudes possíveis da pessoa em relação a Deus, bem como os resultados distintos entre quem confia e quem não confia no Senhor. Para quem “confia no Senhor” ou “a Deus se confia”, o resultado é a felicidade, que pode ser traduzida como alegria de viver, esperança e serenidade, pois essa pessoa sabe que é amada por Aquele que tudo pode e que só deseja o bem dos seus. Além disso, sua vida é fecunda, pois busca o Reino de Deus e a sua justiça.
Já para quem “não confia no Senhor” ou “não se confia a Deus”, o destino é bem outro. Essa pessoa estará sempre competindo com Deus e com os outros. Seu coração nunca está satisfeito, buscando coisas e subterfúgios para
preencher um vazio que jamais será saciado enquanto não repousar em Deus. A felicidade nunca será alcançada e, como consequência, pode haver morte espiritual, insensibilidade completa e indiferença em relação a tudo o que acontece no mundo.
E eu? Me confio a Deus? Sou uma pessoa feliz?
Dom Jaime Pedro Kohl – Bispo de Osório